Ford Maverick perua? Conheça esta incrível e raríssima versão do esportivo que só foi fabricada no Brasil
Uma versão perua do Ford Maverick? Não é mito, nem fake news. Ela existe de verdade e é raríssima. No ano em que um dos esportivos mais idolatrados pelos brasileiros completa meio século, conheça a história desta incomum station wagon, que marcará presença durante a Expoclassic 2023, entre os dias 18 e 20 de agosto em Novo Hamburgo (RS).
Antes de detalhar essa “mosca branca de olho azul”, vamos relembrar brevemente a trajetória do modelo. O Maverick foi lançado nos Estados Unidos em 17 de abril de 1969, com motor de 6 cilindros, uma alternativa mais econômica que o Mustang para fazer frente aos concorrentes europeus que começavam a marcar presença cada vez mais massiva nas ruas norte-americanas.
No Brasil, a história do modelo teve início em 4 de junho de 1973, quando a primeira unidade saiu da linha de montagem, em São Paulo. As opções de motores eram o V8 4.9 (302 polegadas cúbicas) com 197 cv de potência e o 6 cilindros 3.0 de 112 cv, que em 1975 foi substituído pelo 4 cilindros 2.3 de 99 cv. As opções de câmbio eram o manual de 4 marchas ou automático de 3 velocidades com comandos na coluna de direção.
Em 1979, após 108.106 unidades produzidas, para melancolia dos fãs o Maverick saía de linha. Nos Estados Unidos, sua produção havia sido encerrada dois anos antes, em 1977, totalizando 2.247.227 unidades.
As carrocerias do Maverick eram apenas cupê e sedã. Nunca na história da Ford uma perua derivada do modelo foi oficialmente montada. Mas, então, de onde raios surgiu essa versão perua? A resposta está na capacidade criativa dos brasileiros. Mais especificamente na equipe da SR Veículos, empresa com sede em Diadema, São Paulo, criada pelo empresário Eduardo Souza Ramos e que foi uma das maiores transformadoras de veículos do Brasil. Fundada em 1979, encerrou suas atividades em 1996, ficando muito famosa pelos veículos produzidos a partir de picapes, como o Ibiza.
Pois eis que, em 1976, os engenheiros da SR resolveram desenvolver o que nem a própria Ford havia projetado: uma versão perua para concorrer com o Chevrolet Caravan, mas com o diferencial de contar com o poderoso motor V8. O fora-de-série utilizava como base o Maverick 4 portas e, no entanto, só começou a ser produzido dois anos depois, em 1978. Estima-se que cerca de 50 unidades foram montadas pela SR, todas sob encomenda.
Na época, tal feito chamou atenção da Ford brasileira e, inclusive, da matriz norte-americana. Só que, como produto de volume, a versão perua era o carro certo na hora errada. Apesar de bonita, a ideia chegava tarde demais, pois na terra do Tio Sam o Maverick já havia saído de linha e, em solo tupiniquim, encaminhava-se para a reta final de sua “existência”. Outro empecilho eram as altas cifras demandadas para a transformação, o que encarecia bastante o preço final, chegando a custar o equivalente a dois Maverick LDO novos.
O exemplar das fotos pertence ao administrador Paul William Gregson, de 54 anos, residente em São Paulo. Quis o destino que ele se perdesse enquanto procurava o endereço de uma empresa que iria visitar. Perdeu o endereço pretendido, mas achou o ferro-velho onde estava abandonado o Maverick perua, na cidade de Itu, interior do Estado. “Comprei o carro em 1999 e comecei o processo de restauração, que só foi concluído em 2003. Cheguei a adquirir um segundo Maverick somente para usá-lo como doador de peças e acabamentos”, relembra.
Uma curiosidade: nem todos os carros transformados pela SR eram novos. Alguns eram veículos usados, como foi o caso desta unidade, ano 1976. Além do motor V8 302, conta com itens de conforto bastante raros nos veículos nacionais da época, como ar-condicionado, direção hidráulica e câmbio automático.
O processo de restauração foi uma verdadeira epopeia e rendeu ao dono uma sequência quase interminável de aborrecimentos. “Foram três oficinas de funilaria e pintura e dois eletricistas. Tive que reformar a caixa de câmbio quatro vezes, tomei calote comprando peças, fui à falência e suspendi o projeto. Até que faltava só a tapeçaria traseira, mas estava sem dinheiro para concluir. Aí meu pai, que também já estava de saco cheio de tanta dificuldade, bancou o valor final e conseguimos terminar”, relembra. Outro percalço foi livrar-se do forte cheiro de gasolina, pois demorou anos até localizar a posição correta da mangueira, que faz diversas curvas antes de chegar ao tanque. Logo em seguida, participaram do tradicional encontro de Águas de Lindóia, mas nem aí os problemas tinham terminado. “Precisei descer do carro para receber o prêmio, pois não havia como abrir o vidro da porta”, conta, aos risos.
Mas os quatro anos de restauração valeram muito a pena: o carro ficou impecável, ampliando a coleção de Paul, já composta pelo Sedan Super de 4 cilindros ano 1975 na cor marrom, comprado zero-quilômetro por seu pai, Stanley, e por um Grabber 1974 pertencente a um amigo que trabalhava na Ford em Michigan e importado em 2012. A paixão pelo modelo começou justamente aos 6 anos de idade, quando o seu pai adquiriu o modelo novinho em folha. “Aprendi a dirigir nele, foi meu primeiro carro. Isso sempre me manteve junto do carro e do meu pai”, relembra. Seu pai morreu em 2014, aos 81 anos, e esse fascínio Paul espera transmitir ao herdeiro William – ele e a esposa, Lara Quadros Leite Gregson, 39, estão “grávidos” e o bebê chega em dezembro, para a alegria da mãe de Paul, Wilma Maria Lemos, hoje com 92 anos, uma pelotense que conheceu o inglês Stanley em 1960, casando-se logo em seguida, em 1961.
O interesse pelo carro o motivou a lançar dois livros: “Universo Maverick” e “Maverick em Escala”. Também conta as histórias sobre os seus modelos e os de outros aficionados no seu canal no YouTube chamado Universo Maverick. Outros dois hobbies são organizar encontros do modelo e ir rodando até as exposições de carros antigos. “Já fiz isso várias vezes, indo até Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul. Em outubro, pretendo viajar até Buenos Aires, na Argentina”, adianta.
Longas viagens a bordo do possante
A ideia inicial também era percorrer, a bordo do possante, os 1.145 km que separam São Paulo de Novo Hamburgo, mas não foi possível conciliar a aventura com a agenda de trabalho. Por isso, Paul viajará de avião e, o carro, em uma carreta. “Estive na primeira Expoclassic e retorno agora para mostrar a todos o meu carro favorito, justamente no ano em que são completados 50 anos do seu lançamento no Brasil. A exposição é tão legal que fica até difícil defini-la, pois conta com uma infraestrutura incrível para os veículos e visitantes. E sem falar na excelente receptividade dos amigos gaúchos”, reforça.
Apesar de consistir em uma transformação, a traseira – principal diferencial desta versão – ficou esteticamente bem resolvida. O resultado são linhas elegantes, que obviamente contam com lanternas originais do Maverick, da fase 2, de 1977 . “Das cerca de 50 unidades desta perua, estima-se que existam apenas 12 espalhadas pelo Brasil, em diversos estados de conservação”, enfatiza. Rodando e impecável, como se tivesse acabado de sair da fábrica da SR, como a de Paul, existem apenas 5.
Depois de toda essa incrível jornada, da retirada do ferro-velho até a completa restauração, não dá para perder a chance de ver este unicórnio ao vivo durante a Expoclassic 2023. Garanto que até Henry Ford, se ainda fosse vivo, gostaria de dar uma espiadinha nesta perua que, caso tivesse sido lançada pela fábrica, poderia ter sido um sucesso nacional e até global. Atributos é o que não faltam!