Cultuado e reverenciado: relembre a história do DeLorean, carro que roubou a cena na trilogia De Volta para o Futuro

Visual inconfundível: carroceria em aço inox e portas asa-de-gaivota | Foto: Adair Santos/Carros e Carangas

Passadas quase quatro décadas após o lançamento do primeiro filme da trilogia De Volta para o Futuro, em 1985, responda rápido: quem é o astro principal da trama? Michael J. Fox, que interpreta Marty McFly, ou o DeLorean DMC-12, que permitia viajar para o passado e para o futuro? Os fãs de cinema garantem que é J. Fox, mas os apaixonados por carros não têm dúvida: é o DeLorean que rouba a cena. Prova disso é que, a cada ano que passa, o modelo torna-se mais desejado e cultuado. Um dos poucos existentes no Brasil, o exemplar exibido nesta reportagem foi comprado em 2011 durante leilão nos Estados Unidos por um empresário da cidade gaúcha de São Leopoldo. Mais uma vez, promete ser sensação da Expoclassic, que ocorre de 18 a 20 de agosto de 2023 em Novo Hamburgo (RS).    

O mais paradoxal de tudo é que, como carro, o DeLorean não é exatamente uma referência nos quesitos desempenho e qualidade de construção. Muito em parte porque foi desenvolvido em tempo recorde pelo seu criador, John DeLorean (1925-2005), engenheiro e empresário norte-americano que “queimou seu filme” após um sortido leque de escândalos – que iam desde falcatruas financeiras até a participação no tráfico de drogas, uma tentativa desesperada de levantar dinheiro para salvar sua companhia da falência.

Para a compor uma receita perfeita de bolo – ou melhor, de carro –, DeLorean convocou dois gênios: o fundador da equipe de Fórmula-1 Lotus, Colin Chapman, para projetar chassi e suspensão, e Giorgetto Giugiaro, pai de modelos como a Ferrari 250 SWB Bertone, para cuidar do visual.

Na época em que foi lançado, o DeLorean representava um salto de design, pois suas proporções – formadas pela baixa altura e linha de cintura elevada – contribuíram para inspirar carros nas décadas de 80 e 90. Mais de 40 anos depois, ainda chama a atenção por suas linhas atemporais, especialmente quando admirado ao vivo. 

Propulsor foi desenvolvido por meio de parceria entre Peugeot, Renault e Volvo | Foto: Adair Santos/Carros e Carangas

Mas ao contrário do que sugere o visual, o motor central de nome PRV V6 2.9 (são 2.849 cilindradas, para ser mais exato), desenvolvido em parceria pela Peugeot, Renault e Volvo, gera 132 cv de potência a 5.500 rpm e torque de 21,1 kgfm a 2.750 rpm, proporcionando um desempenho apenas razoável, em parte devido ao câmbio de relações longas. Tive o prazer de dirigir o carro das fotos há alguns anos e confesso que foi uma experiência muito bacana, pois não é todo dia que um feliz proprietário nos confia a chave de um carro que não está à venda em qualquer esquina.  

Aletas na traseira têm função estética e, ao mesmo tempo, de refrigeração do motor V6, que conta com injeção de combustível K-Jetronic da Bosh e trabalha em conjunto com um câmbio manual de 5 marchas. Nos Estados Unidos, havia a opção da transmissão automática de três velocidades. Na parte frontal do carro, há um espaço para bagagens que totaliza 396 litros, onde também está abrigado o bocal do tanque de gasolina.

Na época, segundo dados do fabricante, era capaz de acelerar de 0 a 96 km/h em 7,8 s e atingir 216 km/h. Não eram números ruins, mas um motor V8 certamente agradaria aos norte-americanos e poderia levá-lo à velocidade de decolagem de um avião a jato (cerca de 260 km/h). Porém, são detalhes que não ofuscam o brilho de uma estrela de cinema como essa.

Design by Giorgetto Giugiaro

O desenho de Giorgetto Giugiaro dispensa apresentações e cativa à primeira vista. Quando estão abertas, as portas asa-de-gaivota – que ficaram famosas no Mercedes-Benz 300 SL de 1954 – atraem todos os olhares. Quando fechadas, as atenções se voltam às dimensões da carroceria, com apenas 1,16 m de altura, 1,84 m de largura, 4,26 m de comprimento e 2,42 m de entre-eixos. O seu formato em cunha e a boa aerodinâmica são realçados pela linha do para-brisa suavizada. Pequenos faróis duplos retangulares contrastam com as lanternas traseiras gigantes.

Lanternas gigantes e placas que fazem alusão a Jonh DeLorean e ao ano de fabricação do carro | Foto: Adair Santos/Carros e Carangas

Nas placas pretas, o dono do carro homenageia John DeLorean com as iniciais JDL e o ano de sua fabricação com os algarismos 1981. Apesar de a carroceria toda feita em aço inoxidável transmitir a impressão de que pesa muitas toneladas, o carro tem apenas 1.233 kg.


Apenas dois lugares

Atrás dos bancos, há um espaço para levar malas ou objetos | Foto: Adair Santos/Carros e Carangas


Internamente, há lugar para apenas duas pessoas, que viajam um pouco apertadas, pois o veículo é bastante baixo. Atrás dos bancos há um espaço para levar malas ou objetos. Impressiona a grande quantidade de botões no painel e no console central, que davam o toque futurista (pelo menos para a época). Os anos 80 eram assim mesmo: quanto mais botões, mais tecnologia o veículo representava ter. Modelo conta com ar-condicionado e direção hidráulica. 

Grande quantidade de botões chama a atenção no cockpit, que é apertado e exige certo malabarismo para entrar e sair | Foto: Adair Santos/Carros e Carangas

Rodas aro 14’’ na frente e 15’’ atrás

Na dianteira, o modelo usa rodas aro 14’’ e pneus 195/60. Na traseira, são aro 15’’, calçadas com pneus 235/60. A suspensão traseira é do tipo multilink. O exemplar das fotos tem apenas 6.529 milhas (10.446 km) rodados.

A trajetória repleta de escândalos de John DeLorean

Visionário, ousado, polêmico: faltam adjetivos para definir o engenheiro e empresário John DeLorean | Foto: Divulgação

John DeLorean, que tem em seu currículo a criação do Pontiac GTO, pediu demissão da GM em 1973, após a repercussão nada boa das duras críticas que fez à qualidade dos carros da montadora. Dois anos depois, em 1975, num rompante de ousadia, decidiu criar a sua própria empresa, a DeLorean Motor Company (DMC). Em 1977, saía do forno o primeiro protótipo para atrair os “dólares” dos investidores, imprescindíveis para alavancar o projeto.     

O mais curioso é que, apesar de ter construído sua carreira nos Estados Unidos, John DeLorean ergueu sua fábrica em Belfast, Irlanda do Norte, pois o governo britânico havia feito uma oferta milionária para sediar o empreendimento: US$ 100 milhões em garantias e empréstimos. O problema todo é que, sete meses após o início das obras do complexo, aconteceu uma reviravolta política: o Partido Conservador de Margareth Tatcher chegou ao poder e cancelou o acordo que havia sido fechado pelo então Partido Trabalhista. Era o começo do fim…    

Em janeiro de 1981, saíram da linha de montagem as primeiras unidades do DMC-12. Já no segundo ano, as vendas entraram em declínio, principalmente devido ao preço salgado – nos Estados Unidos, custava US$ 25 mil. Ao todo, 9.350 unidades foram fabricadas até 1983, quando a empresa faliu e demitiu todos os cerca de 3 mil funcionários. Estima-se que 6,5 mil exemplares do modelo ainda estão rodando pelo mundo.

Se comercialmente o carro não vingou em termos de volume, no cinema a ascensão começou após sua descontinuação. Em 1985, graças ao filme De Volta para o Futuro (Back to the Future), foi alçado ao status de ícone.

Versão elétrica prevista para 2024

Apenas as portas asa-de-gaivota do Alpha5 lembram a versão original do DMC12 | Foto: Divulgação

O carisma do modelo é tão grande que inspirou uma versão elétrica, apresentada em 2022 pela própria DeLorean Motor Company, renascida das cinzas corporativas ao ser comprada por um empresário britânico residente nos Estados Unidos. A releitura elétrica chama-se Aplha5 e causa alvoroço entre os fãs mesmo antes de chegar às ruas. Não foram revelados dados de potência e torque, mas os números de desempenho já impõem respeito: aceleração de 0 a 100 km/h em 2,99 s e velocidade máxima de 250 km/h. O novo DeLorean pode rodar 480 km com a carga das baterias e a expectativa é que comece a ser produzido em 2024.  

Viagem para o ‘‘longínquo’’ futuro de 2015

O cientista maluco Emmett Brown (Cristhoper Lloyd) e Marty McFly (Michael J. Fox) em cena deste clássico de Hollywood | Foto: Divulgação

No primeiro filme da série (1985), Marty McFly, interpretado por Michael J. Fox, viaja 30 anos ao passado a bordo de um DeLorean transformado em máquina do tempo pelo cientista maluco Emmett Brown (Cristhoper Lloyd). Na continuação, de 1989, ele pula 30 anos para o futuro, desembarcando em 21 de outubro de 2015. Em 1990, fechando a trilogia, retorna a 1855. Na telona, o DeLorean tinha diversos apetrechos tecnológicos espalhados pela carroceria e um incrível motor movido a energia nuclear que desenvolvia espetaculares “1,21 gigawatts de eletricidade”, como bem lembrava o cientista Emmett Brown.  

Pena que exemplar da reportagem não tem capacitor de fluxo para viajar livremente no tempo, presenciando datas históricas. Assim, seria possível testemunhar a invenção do automóvel pelo alemão Karl Benz, em 29 de janeiro de 1886, ou quem sabe, viajar até o futuro para um test-drive nos carros voadores que, segundo as equivocadas previsões das produções hollywoodianas dos anos 70 e 80, já deviam estar rodando por aí desde o início dos anos 2000.